Futuro Vertical




Entre arranha-céus de mil metros de altura, 
cidades tentam modelos sustentáveis


Azerbaijan Tower - 1050 m
   Dono de uma das economias que mais cresce no mundo, alavancada por petróleo e gás, o Azerbaijão se tornará agora cenário de uma das mais polêmicas e ousadas experiências urbanas da Terra. Um arquipélago de ilhas artificiais será construído no Mar Cáspio e numa delas será erguido o maior arranha-céu do mundo, com 1.050 metros de altura. Para seus criadores, trata-se de uma empreitada sustentável. Para os críticos, uma aberração ecológica. O projeto conjugará o luxo de spas e shoppings a escritórios comerciais - praia e trabalho ficarão a menos de 15 minutos a pé. Haverá vilas em ilhas mais isoladas. O centro terá edifícios de diversos tamanhos e estilos. Em meio a eles, o Azerbaijan Tower, o gigante de concreto.
     As Ilhas Khazar são um exemplo das discussões sobre o futuro das cidades. Há quem aposte em arranha-céus - o arquipélago vai nesta direção. Outro grupo prefere prédios ambientalmente corretos que pareceriam samambaias gigantes, entre outras soluções reunidas sob um guarda-chuva chamado "arquitetura verde".
     Presidente da Avesta, companhia à frente do empreendimento azerbaijano, Haji Ibrahim vende-o como uma cidade futurista. Mas as Ilhas Khazar, como foram batizadas, acertam em poucos pontos, dizem especialistas. O ponto positivo é a mobilidade. Arquitetos e urbanistas esperam que, nas próximas décadas, metrópoles sejam capazes de reunir, em raios de 300 metros, todas as atividades e serviços necessários para a vida de um citadino. Em outros aspectos, no entanto, o arquipélago passa longe. Plantar dezenas de ilhas em uma região quase virgem do Mar Cáspio parece para muitos especialistas uma receita para o desastre ecológico.
     Membro proeminente da sociedade azerbaijana, o empresário Ibrahim garante que seu projeto é sustentável. Companhias responsáveis por construir as ilhas artificiais na Europa estão ao seu lado. Está difícil, porém, angariar apoio entre quem não nutre interesse econômico no local.
     - Não vejo sentido neste projeto, e não digo apenas sob a ótica da sustentabilidade - ressalta o arquiteto Antônio Macêdo Filho, representante no Brasil do Conselho de Edifícios Altos e Habitats Urbanos, com delegados em mais de 40 países. - Não há por quê construir enormes empreendimentos onde não há quase nada, usando mão-de-obra temporária estrangeira, sem agregar benefício social local.


     Especialistas ouvidos pelo GLOBO asseguram: talvez, no futuro, não tenhamos que transitar entre monólitos envidraçados que nos privam da vista do céu. Mas, aqui embaixo, há muito o que fazer.
    Primeiro mandamento: quanto menos nos deslocarmos, melhor. E, se o fizermos, que seja por transporte coletivo.
     - Quatro milhões de pessoas vão diariamente da Zona Leste de São Paulo para o Centro - destaca Macêdo. - Estas migrações intraurbanas tendem a diminuir se houver trabalho, lazer e moradia próximos um ao outro. Em Manhattan, Nova York, só um entre cada quatro moradores tem carro. As pessoas preferem se deslocar a pé ou usar metrô.
   São Paulo não está sozinha entre os maus exemplos. O país inteiro padece do mesmo problema de sua maior metrópole: a falta de planejamento. O poder público adota projetos pontuais, em vez de ver o espaço urbano como um só.
    - A França fez, no ano passado, em torno de mil concursos públicos para contratação de projetos. No Brasil, foram apenas 16 - compara Gilson Paranhos, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB). - Na Holanda, as autoridades vão trabalhar de bicicleta. Mesmo que comecemos distante dessa realidade, por que não tentamos atingi-la? Já não dá para argumentar que somos um país de Terceiro Mundo.
    Segundo Paranhos, mesmo as tragédias não nos fazem aprender. A Região Serrana, destruída pelas chuvas em janeiro de 2011, recebeu milhões de reais do governo federal, mas ainda têm bairros infestados de lama. O desvio de verbas explica em parte este descaso, mas outra fatia vem da falta de projetos.
    A última cidade brasileira planejada - e em 1960, numa ótica já ultrapassada - é Brasília. Desde então, os municípios têm se alastrado, em vez de se condensarem. O resultado: primeiro chegam os moradores; depois, serviços primordiais, como asfalto, saneamento básico, fornecimento de água. Na Zona Oeste do Rio, este problema é visível.
    - Quanto mais expande um centro urbano, mais caro é mantê-lo, porque é necessário alimentá-lo com água, esgoto e novas vias - explica o arquiteto Márcio Tomassini de Oliveira. - Cabe ao Estado fazer um acordo com a especulação imobiliária e usar áreas onde há uma infraestrutura pronta, mas ociosa. Em vez de inflar o Rio da Barra da Tijuca para Sepetiba, por que não ocupamos as áreas disponíveis na Zona Portuária? 



Fonte: GRANDELLE, Renato. Futuro Vertical. O Globo Planeta Terra. Março de 2012.

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